30

Debruçou-se sobre o parapeito, na varandinha apertada, e ficou a olhar 'o movimento'. Assim faziam na sua cidade. Colocavam as cadeiras na calçada entre 18h e 20h com este mesmo argumento. Fez aquilo algumas vezes, muitas, diria, mas tudo que tinha agora era aquele pequeno vão para retomar a antiga prática.

Não fumava, mas desejou ter um cigarro àquela hora só para compor, assim como a xícara de café ou chá. Sentia-se adolescente por não ter esses hábitos adultos de quem vive em metrópoles contemporâneas. Riu-se. Infantil. Aos 6, costumava enrolar um pedacinho da folha do caderno de desenho e colocar na boca enquanto dirigia, em cima das caixas de brinquedo no corredor. Essa seria ela um dia, com 30 talvez, como as mulheres dos filmes. Fumar compunha.

Respirou fundo e veio o cheiro forte de noite. Sempre gostara do número 30. Era redondo, sonoro. Acreditava que os adultos todos tinham 30 anos. Desejou o cigarro mais uma vez.

Olhou por cima do ombro e viu a sala vazia. Os móveis ainda tentando encontrar o lugar certo, acostumando-se com o espaço, com eles mesmos e com ela. Devia ser essa a hora em que sentiria um aperto no peito e saudade de algum barulho familiar...mas não.

Tornou a cabeça para a cidade. A brisa fustigou os fios soltos do cabelo. Resolveu tragar o ar e soltou uma fumaça de alívio. Sem chá, cigarros, café ou companhia.

Pensou em 30 (pessoas, fatos, palavras, números, notas, gestos, anos). Despediu-se do movimento e foi dormir.

Era bom estar sozinha.

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One Response so far.

  1. Anônimo says:

    vieram mil coisas sobre tecitura de edifícios, dinâmicas urbanas e pans.

    mas, é, fumaça é um negócio que compõe bem. e, como disse o velhinho, é um jeito disfarçado de suspirar.

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