11:32
Sinto muita culpa em dizer "não sei".
Culpa é aquilo que nem sempre é sua,
nem sempre tem explicação e
nem sempre tem razão de existir.
Não saber dói em algum lugar aqui dentro.
É o zumbido que os olhos não vêem
e a mão não consegue acertar.
Quando não sei o que sinto, fecho os olhos e o peito.
Com janelas e porta cerradas, fica mais fácil descobrir.
Amanhã é como o elevador descer inesperadamente.
Aquelas cócegas no umbigo...

11:35
Passado, presente e futuro são três minutos.

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Hoje a felicidade estava em uma folha de papel. Em branco, sem pautas, sem sombras.
E no perfume de terra molhada que o chuvisco de 5 minutos deixou.
E no verso favorito da música que tocou assim que ligou o rádio.
Eles falam em vazio todos os dias, disse ao gato, mas não sabem que o vazio já está cheio. Cheio de ser causa dos problemas de todo mundo.
Hoje a felicidade estava em o telefone não ter tocado.
E em prosa, pausa e prazo.
E em Couto, De Barros, Viegas e Reis.
Eles falam que estão cheios todos os dias, disse a si, mas são vazios. Vazios por estarem cheios de tudo e ainda se sentirem vazios.
Hoje a felicidade estava em não fazer sentido, nem para si, nem para eles, nem para o gato.
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Sinto a cabeça pesada hoje, mãe. Há um céu inteiro em cima dela. Está vendo? Cada nuvem dessa tem...não sei nem quanto, mas são muitos quilos de muitas coisas. Vê? Começo a dobrar os joelhos. Tenho joelhos fracos. Eles às vezes perdem a razão de sustentar o corpo e ainda em cima desse corpo tem o céu. Muitos quilos de muitas coisas. Deve haver o medo por ali também e esse há de ser o mais pesado. Não gosto de dar nome às coisas, mas o medo foi quem me deu nome. Está vendo o céu, mãe? Sinto-o pesado hoje. Tem uma cabeça inteira dentro dele.




Foto: Paulo Tabatinga
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Geralmente, vejo 1 dia sim e 5 não.
Ocupo-me para ficar desocupada e aproveitar as horas livres.
Quando as tão sonhadas chegam, trazem pela mão o meu desassossego em não ter coisas por fazer. Logo vê-se que não aproveito. Foi-se o dia. Passou.
Geralmente, vejo 1 dia sim e 5 não.
Considerava que dormir era perder minutos preciosos, até compreender que é durante o sono que crescemos.
Geralmente, vejo 1 dia sim e 5 não.
Para fechar uma semana, o 7° é cortesia. Como os 30 gramas a mais que vêm no pacote de biscoito em promoção.
Tenho os dois olhos abertos, acredite, mas quase sempre deixo escapar meus tempos.



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Está cientificamente comprovado que todas as pessoas possuem um lugarzinho bem no meio da caixa torácica, uma fenda do lado do coração chamada dar fim. Até mesmo os céticos ficaram boquiabertos quando finalmente foi comprovada a funcionalidade de tal sítio.

Conta-se que as pesquisas foram iniciadas por um carpinteiro porto-riquenho depois que este perdeu a filha, em mil novecentos e tanto, de causas aparentemente desconhecidas. A moça era daquelas que saía no sereno e não ficava gripada, comia melancia de noite e a dor de cabeça nem dava as caras. Quebrante, não sabia o que era e se fartava de tudo o que era reimoso sem qualquer consequência. Que saúde...era o que diziam na rua quando passava.

O certo é que um dia a cabritinha caiu doente. Quedou-se tão mal que não comia, murchou que nem quiabo no fundo da gaveta. Pintura nas unhas e na boca já não usava. Em um fio de voz, ela conseguiu dizer ao pai antes de começar a diminuir: é o mal de dar fim, papai...Depois disso, todos os dias ela diminuía cerca de 5 centímetros. O carpinteiro, já desolado, assistia a tudo. Daí que ele perdeu a filha. Ela ficara tão pequenina que era impossível achar. Então, o homem prometera a si mesmo que descobriria o que era aquele mal de dar fim que dera fim a sua moça.

Deixou de mão a carpintaria para lidar com químicas e biologias. Fez da oficina um laboratório. Cheirava agora a papel e não mais madeira, o homem e o lugar. Os vizinhos lhe diziam que esquecesse aquilo, que era obra de Deus ou do Diabo, mas ele nada. Recebera notícias de casos semelhantes em Nokia (Finlândia), Santander (Espanha) e Ilha de Marajó (Brasil). Estava certo de que Deus ou o Capiroto tinham engenharias diferentes para sumir com as pessoas.

Em seus quatro últimos meses de vida, o homem nem saía mais do laboratório. Dia ou noite, a lâmpada nunca apagava. Imaginavam que ele estava lá a ler e formular teorias infinitamente. Coitado...Em uma manhã de agosto, o velhote da quitanda passava quando viu a antiga oficina às escuras. Logo soube que tinha algo errado e acionou a vizinhança. Não foi preciso muito esforço para derrubar a porta. Ele estava debruçado sobre a mesinha cheia de papéis. O rosto trazia uma expressão estática de triunfo absoluto. Na mão esquerda, um papel amassado com as constatações:

Dar fim é um vão ao lado do músculo cardíaco.
Funcionalidade: dar fim a toda ordem de sentimentos/opiniões que não queiram ser exprimidos. Em pleno funcionamento, tem a capacidade de garantir o autocontrole.
Características fisiológicas: 3 X 4cm com paredes extensíveis
Formato de fenda
Dar fim suporta um limite ainda não identificado de sentimentos. O preenchimento total da vão causa efeitos colaterais das mais diversas tipologias, inclusive o fim.

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"Eu te amo"
"Tem certeza?"
"Não. Mas eu te amo"
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"As pessoas gostam mais do por do sol à aurora
porque cultuam muito mais o adeus"
Paulo Tabatinga




Abriu os olhos e encarou o teto. Sabia que já era dia alto e que também era quinta-feira. Passou algum tempo tentando adivinhar a hora certa pela intensidade da luz do sol que a fresta da janela deixava passar. 8:34 talvez. Não, não...8:40...8:41. Isso, 8:41. Tateou o criado-mudo à procura do celular. No caminho, encontrou os óculos. 8:23. Errara, mas estava feliz por ter 18 minutos de vantagem em relação ao seu achismo.
Levantou-se sem ainda ter decidido com qual humor estava de fato. Escutou o telefone fixo do vizinho de baixo berrar e, mais uma vez, alegrou-se. Foi uma decisão acertadíssima não instalar aquele aparelho maldito. Não sabia que som tinha o inferno, mas em algum momento deveriam soar telefones por todos os cantos. Abençoado celular, clemente modo silencioso com alerta vibratório!
Depois de encarar o espelho por longos 6 minutos e meio e não constatar olheiras aparentes, iniciantes ou disfarçadas, resolveu enfim que era dia de sorrisos.
Foram 14 emails, 2 pães, 1 xícara de café e 3 pastilhas de gengibre até sair de casa. Não prestava mais muita atenção ao caminho que os pés sabiam de cor. Ia e ia. Ia mais um pouco e um pouco mais. Então chegava.
Terminal 2.
Aqui chegavam ônibus do país inteiro. Centenas de estudantes, turistas, hippies, migrantes sazonais de todas as texturas e credos partiam e chegavam dioturnamente. Um profusão de janelinhas esfuziantes para partir ou impacientes para chegar.
Sentou-se.
Reparou no rapaz ao lado. Um tipo jovem...jovem adulto, como gostam de apontar. Vá lá, deveria ter seus 32 anos. Trazia os cabelos em desalinho, não soube precisar se intencionalmente ou não. Tinha grossas sobrancelhas e olhos miúdos, apertadinhos, porém sem traços orientais. O nariz era...médio? Não era muito detalhista com o aparelho olfativo das pessoas. Preferiu deter-se no conjunto perfeito que faziam boca e barba. Eram lábios generosos, descontraídos, deveriam ficar bem em um risinho de esquina. Os pelos escuros e espessos lhe davam o tom dos 32 anos. Estava mesmo absorto na leitura do...ah sim! Havia ainda as mãos. Firmes, unhas largas e bem cortadas. Indício de que talvez o cabelo esteja assim propositadamente, pensou. Daí lembrou-se que sentou-se ao seu lado pelo que lia: um volumoso caderno classificados.
"A página 7 é a minha favorita"
Ele pareceu despertar e olhou em volta para identificar o interlocutor. Os miúdos olhos alargaram-se quase imperceptivelmente em agradável surpresa ao encará-la.
"Procura algo em particular? Er...não quero parecer...mas...hm...talvez possa ajudar"
Hesitou e isso era raro.
"Isso é só costume. As coisas que procuro não cabem nesses quadradinhos"
Sorriu e uma onda morna de alívio inundou-a. Por segundos pensou que estivesse enganada a respeito do tipo. Mas acertara. Era como se as suas primeiras impressões estivessem treinadas.
"Indo ou vindo?"
"Indo"
"Volta?"
"Ainda não sei"
"E vai para decidir?"
"Talvez"
"Ir implica procurar o que não cabe aí?"
"Ir implica não saber se vou achar"
"E ficar também não..."
"Ficar certamente não..."
"Qual a categoria do que procura?"
"Diversos"
"Diversos é vasto"
"Diversos é muito"
"Ou muito pouco"
"É muito, senhorita"
Pareceu uma vida. E foi. Em 53 minutos, partilharam, debateram e divagaram sobre todas as seções. Imóveis, empregos, veículos, orações, utilidade pública, pessoais e recados. Cumplicidade que não se acha em qualquer banco, em qualquer anúncio.
"Então, é um até logo"
"Até. E boa sorte com a procura"
Ele agradeceu e deu as costas com a mochila sobre o ombro direito. Só então lembrou-se.
"Ei, e você? Indo ou vindo?"
"Ficando. Eu sempre fico"
Deu um largo sorriso ao tipo e deixou o terminal 2.
Não sabia desde quando fazia aquilo. Visitava a rodoviária todos os dias para fazer amigos de curto prazo. Amores eram ocasionais. Elegia alguém, depois de uma longa observação, para uma conversa. Era sempre correspondida porque as pessoas são carentes. Parecem muito bem resolvidas, mas sentem-se tão mais amadas quando lhes dirigem a palavra. Fora a primeira vez que o diálogo tinha sido pautado por classificados. Espera, café, bagagem, (má) educação, táxi, turismo, papel de bala, telefones públicos. Cada tema um amigo ou dois ou.
A verdade é que era viciada em despedidas. Não assumia porque "ai, odeio despedidas" era o novo "sou a favor da democracia". Mas dizer tchau/até logo/até mais/a gente se vê lhe produzia um efeito tão deliciosamente tóxico. Os poros ficavam cheios de uma excitação latente. Era prazeroso não saber se veria aqueles amigos alguma outra vez. Ela achava.
A amizade mais longa? 3 horas. Uma senhora amável com ares de avó perdera o ônibus para Belo Horizonte. Ia conhecer o noivo da filha mais nova. 180 minutos que começaram com a capa da revista de bordados.
"Ponto-cruz vai ser sempre o carro-chefe, hein?"
"Se bem que já foram mais elaborados...digo isso pelo que via antes. Tenho orgulho de dizer que aprendi sozinha"

***
Abriu os olhos e encarou o teto. 8:54. Óculos. Espelho. Vizinho. Café. Caminho. Terminal 2. Olhos treinados. Sorriso.
"Indo ou vindo?"
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"Qual a sua idade?"
"A que eu quiser"
"E hoje?"
"Que tem hoje?"
"Qual a que você quer hoje?"
"Hoje tenho 27 e 2 meses"
.........................................
.........

"O que foi?"
"Nada. Não se pode mais rir?"
"Não vejo piada"
"E não há. Eu rio sério"

....................................
......

"O que foi?"
"Estou tentando lê-los"
"Os olhos?"
"Sim..."
"Não se pode..."
"O que?"
"Ser afalbetizado em todas as línguas"
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Parecia uma gafarra de refrigerante de vidro, a moça.
Daquelas com muito gás e começando a congelar.
Os cabelos ondulavam que nem aquela fumacinha que sai do gargalo
quando tiram a tampa.
O sorriso era malicioso como as bolhas, fazem cócegas lá no céu da boca.

Ele só queria bebê-la até o fim.
Sem copo, sem canudo.
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"Se o galo cantar, você vai ficar assim pra sempre".
Era um moleque que não acreditava nessas coisas.
"Besteira, menina".
Fazia questão de assustá-la revirando as pálbebras do avesso.
Ria-se muito enquanto ela entortava a boca com desgosto
e esquivavasse daquela visão desagradável.
Nunca soube o nome do menino e não o vira nas férias seguintes.
Cresceu. Aprendeu que o canto do galo não faz das coisas para sempre.
Uma hora as pálbebras hão de retroceder.
Besteira, menina.
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