Sua voz cheirava a chá e um maço de cigarros recém-aberto.
Os olhos, deixavam escapar uma melodia ruidosa...daquelas que é para acostumar-se e não entender.
As mãos tinham uma respiração pesada, mas doce. Sabia bem não saber de nada.
Era um não sei o quê cheio desses pormenorezinhos de encanto...
Uma caixa meio vazia e meio cheia de suspiros e lembranças e dizeres e olhares e sorrisos.
Maior que o mundo inteiro, mas cabia no espelho que ela levava cuidadosamente dentro da bolsa cheia de alísios de junho.
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Ele tinha um sol bem no meio do sorriso
e uma lua entre os dedos.
A pele era coberta de estrelas...
assim mesmo, constelações.
Um universo inteiro que lhe acolhia nos braços
e fazia dormir.
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Não haveria cidade como aquela, estava certa.

Contabilizou mais estrelas do que pessoas naquele céu de azul assumido ao meio dia e laranja espalhado ao fim da tarde. O calor e a noite. Sabia dos seus efeitos e das consequências, mas as causas brotavam não se sabia de onde e eram mesmo dispensáveis.

Seus habitantes tinham braços compridos unicamente para acomodar em um abraço tantos quantos precisassem .

A cidade tinha estórias que só as madrugadas sabiam contar àqueles que deitassem em seu colo e se dispusessem a ouvir. Essas, gostavam de soprar uma brisa leve, quase em tom de brincadeira, e ainda traziam consigo a lua, que, vez por outra, aparecia furtivamente entre as nuvens afim de provocar.

Ali estavam muitos segredos, despreocupações e arroubos e amores. Ficavam pelas esquinas para serem apanhados depois.

Não haveria cidade e nem dias como aqueles, estava certa.
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Nada tem a ver o coração com as burrices que a cabeça comete, concluí.
Emoções, razões e os diabos paridos por terminações nervosas grávidas de estímulos. Tudo apadrinhado por pensamentos e suas ramificações.


Imagine o que seria pensar com o peito, as ideias todas desviadas para o lado esquerdo...
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30

Debruçou-se sobre o parapeito, na varandinha apertada, e ficou a olhar 'o movimento'. Assim faziam na sua cidade. Colocavam as cadeiras na calçada entre 18h e 20h com este mesmo argumento. Fez aquilo algumas vezes, muitas, diria, mas tudo que tinha agora era aquele pequeno vão para retomar a antiga prática.

Não fumava, mas desejou ter um cigarro àquela hora só para compor, assim como a xícara de café ou chá. Sentia-se adolescente por não ter esses hábitos adultos de quem vive em metrópoles contemporâneas. Riu-se. Infantil. Aos 6, costumava enrolar um pedacinho da folha do caderno de desenho e colocar na boca enquanto dirigia, em cima das caixas de brinquedo no corredor. Essa seria ela um dia, com 30 talvez, como as mulheres dos filmes. Fumar compunha.

Respirou fundo e veio o cheiro forte de noite. Sempre gostara do número 30. Era redondo, sonoro. Acreditava que os adultos todos tinham 30 anos. Desejou o cigarro mais uma vez.

Olhou por cima do ombro e viu a sala vazia. Os móveis ainda tentando encontrar o lugar certo, acostumando-se com o espaço, com eles mesmos e com ela. Devia ser essa a hora em que sentiria um aperto no peito e saudade de algum barulho familiar...mas não.

Tornou a cabeça para a cidade. A brisa fustigou os fios soltos do cabelo. Resolveu tragar o ar e soltou uma fumaça de alívio. Sem chá, cigarros, café ou companhia.

Pensou em 30 (pessoas, fatos, palavras, números, notas, gestos, anos). Despediu-se do movimento e foi dormir.

Era bom estar sozinha.
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Aprendera já muitas coisas, isso era importante considerar. Como o caso do silêncio, por exemplo. Sempre o achou incômodo, tenso, parente próximo da falta de assunto. Bem, algumas vezes o era. Um deles, o de olhos verdes e alma centenária, ensinou a reconhecê-lo quando necessário.

Foram longas a tardes em que ele tentou fazê-la compreender. Impacientemente, ela se esforçava, mas não pode furtar-se de alguns muitos muxoxos e aiais. Os minutos arrastavam-se naquele não dizer...Daí que foi ficando menos duro o aprendizado. A percepção de que palavras são, às vezes, bem desnecessárias pareceu ir entremeando suas razões. Já não reclamava tanto.

Um dia, ele teve de ir, isso porque já não podia mais ficar. As coisas são como estão. Deixava-a orgulhoso por ter conseguido e o soube no último instante. Como recompensa, ela devolveu-lhe o maço de cigarros que tinha o impedido de fumar. Emendou a entrega com um abraço. Entregou-se certa de que ele passaria, iria, mas ficaria. Despediu-se, em pedaços, do ombro de duas semanas e das coisas que só uma alma cheia de outras saberia lhe dizer.

Deu-lhe as costas. Suspirou em seus sentidos.

O silêncio é mesmo cheio de ruídos.
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É preciso tão pouco para me encantar. Sou fácil.
Meio metro de palavras certas, trejeitos distraidos, olhares significativos, uns acordes fáceis e um sorriso, o melhor.
Misture tudo. Tens-me.
Por um prazo tão impreciso quanto os ingredientes que prezo.
Vai saber...
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Meus problemas sempre foram de ordem matemática.
Agora, por exemplo, conheço o valor de x e y, as parcelas.
Porém, desconheço as operações a serem usadas, os meios desse fim.
Há de ser resto 1?
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Tenho para homens e chocolates o mesmo gosto.
Os mais difíceis.
Os mais exóticos.
Temperatura ambiente.
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Seus olhos foram baixando ao passo que a porta do elevador se fechava. Pode vê-lo ainda relance antes do estalo mas, logo em seguida, encarava seu reflexo distorcido na superfície metálica fosca.

O sorriso da noite passada era como a tal, passado. Tinha desaparecido sem vestígios. Trazia uma expressão tão triste e desamparada que não conseguia mais encarar a si mesma. Fixou-se em algum ponto do teto e lá ficou a pensar.

Tivera, ao todo, 45 minutos com ele e sabia que maior seria o tempo que passaria sem. Sentiu a garganta fechar e conheceu o que estava por vir. Derramou então aquelas lágrimas, as 5, compassadamente, silenciosamente...

Quando chegou ao térreo, já trazia os óculos no rosto e julgava-se 'bem', mas ainda não podia sorrir.

O segundo andar nunca esteve tão longe.
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Sentou-se meio curvado defronte a televisão, mas sequer sabia o que lá passava. Não por desatenção, natural das crianças daquela idade. Franzia as pequeninas sobrancelhas e contorcia os lábios...gesto quase próprio dos adultos. Preocupado, ele estava.

Quando, de longe, ouvia as lágrimas escorrerem, levantava-se vagarosamente e encarava-a. Ela podia enxergar o afeto naqueles olhos graúdos e amendoados, mas sentia tanta pena de si mesma que não tinha forças para percebê-lo naquele momento.

Ele lá ficava. Vez por outra colocava a mão no queixo ou soltava a respiração. Parecia saber que mais palavras não adiantavam.
Os minutos foram passando e, aos poucos, ela foi recobrando a 'imponência dos mais velhos'. Teve coragem para olhá-lo, enfim, e viu. Ela deve ter passado muito tempo naquele estado de desligamento. Tinha diante de si tanta maturidade que não soube precisar qual dos dois era mais 'vivido'. Colocou as pálidas mãos sobre os joelhos, abaixou-se até que ficassem da mesma altura e perguntou, perdida, ao homenzinho:

- O que se há de fazer?

Pediu ajuda.
Ele foi até a cozinha, trouxe-lhe um copo de água.
- Não sei. Eu só tenho 10 anos.

Sentou-se meio curvado defronte a televisão e absorto ficou com o seu quinto desenho animado favorito.

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A mocinha se alimentava de ilusões somente.
Comi-as no café-da-manhã, almoço e jantar. Se calhar, também nos lanches.
Foi assim os seus 24 anos e 7 meses, contados nos dedos.
E vivia bem, assim mesmo, a um palmo do chão.
Certo dia, a comida não caiu bem.
A mocinha teve um mal estar e conheceu a desilusão.
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“Sabes quando uma pessoa tem de fugir da outra porque tem e não porque quer?”

“Hum...”

“Sabes?”

“Sei.”

E ele fugiu. Escapou-lhe entre os dedos para nunca mais. Até que...


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Caro,

sinto dizer-lhe que falhei na missão. Durante quase um ano pensei ser um soldado forte o suficiente para lidar com os dissabores desta batalha. Imaginei poder levar tudo levemente...com um pacifismo diplomático e dentro dos limites éticos aceitáveis.

Porém...porém, comandante. Um ano de pensar torto foi colocado nos eixos em 2 dias...como no início, só que agora...sim, posso reconhecer o início.

Digo que falhei porque tinha me comprometido aos ideais. Jurei-lhes fidelidade acima de tudo. Fraqueza a minha...tornei-me vacilante logo no primeiro instante.

Creio que tenhas falado em desfazer e voltar atrás...Ora, comandante, pode-se desmanchar assim uma guerra do dia para o dia? Sinto se soei rebelde. Bem se sabe que um soldado disciplinado obedece às ordens que vêm de cima sem questioná-las. Mas devo admitir que já consigo ver-te uns degraus abaixo, à mesma altura dos meus olhos.

Não, não obtive sucesso como pretendia. Perdi a batalha e armei a guerra. Saiba que em meu vocabulário há falha, mas não recuo. Vestir-me-ei de vermelho assumido tantas vezes forem necessárias e sairei desarmada para abraçar ambas, vitória e derrota, como consequência das escolhas que fiz.

Sem mais preocupações, comandante.
Sem mais.
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