Na infância, encarregaram-se de me ensinar a ler a morte nas orelhas. Empiricamente falando, os que a trouxessem em menor tamanho...que má sorte! Viveriam assim pouquinho...

Quão aterrorizada fiquei no dia em que me dei conta das pequeninas que eu tinha. E os adultos riam-se muito do meu desespero em deixar essa vida tão cedo sem sequer ter casado...O moço loiro de suéter branco não viera ainda. Devia esperar a próxima chuva para ver se aparecia. Treinava todos os dias a cara de surpresa para quando ele à porta batesse e apenas sorrisse. Sem dizer nada, me levaria no colo por entre as grossas gotas que não lhe baguçavam o cabelo.

Aflingiu-me saber que, se o moço não viesse logo, sequer nos conheceríamos. As orelhas poderiam acabar antes que os relâmpagos cortassem por aí e o ar ganhasse aquele cheiro molhado. Abria bem as narinas, analisava cada centímetro de céu...mas nada...nem chuvisco. Sabia que ele não viria então.

Busquei já me consolar que deveriam haver outras orelhas menores e que não partiria sozinha. Analisava a de uma mulher grisalha de aspecto cansado no ônibus quando me ocorreu: o moço era um moço, e tal como os outros, deveria ter orelhas, mas não sabia nada delas. E se o tempo tivesse terminado? Seria possível que elas tivessem chegado ao fim antes mesmo do céu armar-se?

Que desconstrutores são os adultos, eu pensava. Estive bem sem saber ler orelhas, próprias ou alheias. Ainda vivo. Ia dizer que isso é mesmo óbvio, porém depois que se aprende a ver o futuro com o que se devia usar para ouvir, as coisas ficam referencialmente relativas.

Vieram granizos, gotículas, temporais e nada desse moço. Devia ter orelhas bem miúdas ou não tinha nenhuma. Atrasou-se alguns anos porque não pode ouvir a água bater no telhado.

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