Era o dia mais quente do ano. O sol estalava nas superfícies todas. Caras contraídas no ônibus lotado e gotas de suor confundindo-se meio sem querer, meio bem querendo. No banco do fundo, do lado esquerdo, estava ela que era mais ausência que qualquer outra coisa. Parecia ter acordado no dia errado, daqueles de achar até mesmo as ruas tortas. Entortava-se então ela para endireitar o mundo. Nem dava jeito.

Irritava-a a divertida conversa da mulher ao lado no celular, o boa tarde efusivo da cobradora, a corrida estúpida do motorista para alcançar o sinal ainda verde. Queria que todos ali silenciassem para que ela mesma pudesse se ouvir. Enfureceu-se consigo pelas lágrimas que começou a derramar involuntariamente. Que estupidez! O que as pessoas vão pensar?

Pediu parada e caminhou apressadamente cheia de medo. Das lágrimas, das pessoas, de si. Confundia-se facilmente com a mureta cinza que cortava a avenida. Por ali, todos continuavam com suas vidas ignorando tudo que de torto havia naquela mulher.

Havia para além o mar. Mais vivo que toda a vida que havia nela. Ficaram ali sozinhos, apesar da tarde continuar acontecendo. Ela a tentar endireitar-se. Ele ondeando, ondulando. Tem mar torto ou só morto? Ou tudo que é mar, é mar e pronto? Esperou que ele pelo menos assobiasse. Nem por isso.

Com a mão no bolso do vestido, achou-se na volta pra casa e nunca mais perguntou nada ao mar.

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